terça-feira, 10 de março de 2009

A Leitura na Construção do Futuro

Era uma vez uma menina que vivia numa pequena aldeia perdida entre montanhas. O mundo estava muito longe e a menina só conhecia as pessoas da sua aldeia. Eram pessoas que trabalhavam nos campos, muito pobres. Naquela aldeia não havia livros. Poucas pessoas sabiam ler e mesmo aqueles que tinham aprendido a ler e a escrever na escola primária, não praticavam a leitura ou a escrita. Escreviam, com muita dificuldade, uma carta para os parentes que viviam na cidade, que tinham emigrado, ou estavam na guerra.
A menina detestou a Escola Primária. Os Professores eram pouco simpáticos e muito agressivos com a sua palmatória ou a cana com que partiam a cabeça dos meninos que não aprendiam ou se portavam mal. No entanto, a menina lá ia aprendendo a ler e a escrever e a decorar toda aquela parafernália de rios, montanhas, linhas de caminho de ferro, etc. Horrível!
No final do ano lectivo em que a menina frequentava a quarta classe, a Senhora Professora resolveu ir falar com os pais dela, para lhes dizer que a menina devia fazer a admissão aos liceus. Os pais ficaram muito contentes, porque gostavam que a sua menina fosse professora primária. Muito de má vontade lá foi fazer os exames de admissão aos liceus nos quais ficou aprovada com distinção. Mais uma razão para que fosse estudar. Tínhamos ali uma futura professora primária. A menina ficou furiosa e recusou-se terminantemente a ir frequentar o liceu que ficava na cidade mais próxima, longe da sua querida aldeia. Os pais insistiram, ameaçaram, mas foi em vão. A menina não queria ser professora e como não sabia que estudando poderia ser outra coisa, não quis arriscar. Ficou pela sua aldeia onde não havia livros, mas a menina também não lhes sentia a falta porque não os conhecia. Conhecia apenas os pequenos livros onde aprendera a ler e que nunca lhe tinham despertado muito a atenção.
A menina ficou livre na sua aldeia para fazer aquilo de que mais gostava: saltar de pedrinha em pedrinha pelos riachos de água cristalina, subir às árvores para ver os ninhos dos pássaros, ir com as mulheres que mondavam as searas ou apanhavam a azeitona, guardar as cabras e as ovelhas quando iam pastar, enfim, viver a natureza no que ela tem de mais belo.
Um Verão, a menina, já adolescente, foi passar umas férias a Lisboa a casa de uma tia, com os primos que tinham mais ou menos a sua idade. Aí pôde tomar contacto com uma nova realidade. Falou com outras pessoas, com jovens da mesma idade que estudavam. Viu livros nas montras das livrarias. Quando regressou viu que a sua aldeia era, afinal, uma triste aldeia sem livros.
A menina lembrou-se então, que na escola onde tinha estudado havia uma estante com livros. A estante estava sempre fechada. Ela nunca tinha lido um livro daquela estante. Soube depois que continha os livros da Biblioteca Popular, uma iniciativa do Estado Novo com o objectivo de desenvolver hábitos de leitura entre a população. Mas como leitura quer dizer, liberdade, novas ideias, imaginação, criatividade, era muito difícil que os hábitos de leitura se desenvolvessem num regime tão fechado e triste como era aquele. Por isso aquela estante se mantinha fechada e os livros não eram lidos.
Resolveu ir falar com a Professora que na altura ali leccionava e perguntar-lhe se seria possível emprestar-lhe alguns livros. A Professora era uma Senhora simpática que logo lhe deu autorização para a menina abrir a estante e escolher os livros que quisesse. Foi a descoberta de um mundo novo. Ali, ela encontrou livros que não conhecia, alguns muito interessantes, outros, demasiado enfadonhos, lhe parecia na altura, hoje diria que eram demasiado tendenciosos. A menina passou a ler sempre que tinha tempo e como tempo era coisa que lhe não faltava passou a ler muitas horas por dia. Aquela biblioteca rapidamente ficou exaurida do que mais interessante continha.
Entretanto a menina descobriu que na vila próxima da sua aldeia, havia uma Biblioteca Fixa da Gulbenkian. Que descoberta maravilhosa!
Ali os livros eram às centenas, senão milhares: romance, contos, aventura, poesia. Eça de Queirós: Os Maias, O Crime do Padre Amaro, O Primo Basílio; Hemingway; John Steinbeck; Camilo; A Condessa de Ségur; Alexandre Dumas, Jorge Amado e muito, muito mais. Era um nunca mais acabar.
O problema é que alguns dos livros tinham uma fita cor de laranja para lá do meio da lombada. Esses, o senhor encarregado dizia que não lhos podia emprestar, porque eram exclusivamente para adultos. Que chatice! Como é que poderia passar tal embaraço. A solução foi encontrar uma pessoa mais velha que requisitasse os livros como se fosse para si. Assim foi. Um amigo mais velho não se importou nada de a ajudar. Então aí é que foi ler!
A menina estava cada vez mais desgostosa de não estudar. Era um desejo tão forte! Mas como? Não tinha coragem de pedir a seu pai, pois ele ficou tão desgostoso quando ela se recusou ir para o liceu!
Numa noite de Natal, como todos os anos, a aldeia estava em festa. Um grande cepo de Natal ardia no largo e a Consoada estava pronta para festejar o nascimento do Menino. À meia-noite, o sino da pequena capela chamou para a missa do galo. A menina, agora já adolescente, foi assistir à missa como era de tradição. No final passou pela sacristia para cumprimentar o Sr. Padre. Este, olhando para ela a sorrir, disse-lhe:
-Ó rapariga, não sei o que andas a fazer, mas abriu uma nova escola na Vila e tu bem que podias começar a frequentá-la. Há, inclusive, ensino nocturno, se não quiseres ir de dia.
Foi como se a noite escura, de repente, ficasse iluminada com o sol mais brilhante. Mas, receosa, disse:
- Não sei se os meus pais irão concordar. Foi para eles um grande desgosto eu não ter ido estudar, quando eles queriam.
- Certamente que não se importam, disse o Sr. Prior. Ora vamos lá chamá-los e já falamos com eles.
Ao pai também se lhe abriram os olhos de alegria e logo concordou. Mal começaram as aulas, o milagre aconteceu.
Que maravilha que era todo aquele saber! Parecia que nenhum conhecimento lhe estava oculto. Todas as matérias do português à matemática, lhe pareciam familiares. Como, se ao longo daqueles anos só tinha lido literatura (contos, histórias, aventuras, policiais) poesia, biografias. Será que se aprende assim tanto lendo literatura? Os enredos bem estruturados, as palavras bem escolhidas e colocadas no sítio certo da frase, também podem ajudar a compreender outras matérias? Mas então, a leitura de prazer também é importante para o nosso futuro!
Assim parece, porque passados três anos a menina, agora já mulher, frequentava já o ensino secundário e nunca mais parou de estudar e de aprender coisas novas, para conhecer melhor o mundo, as pessoas e a natureza.

Margarida Custódio Fróis

1 comentário:

  1. A história é contata num estilo moderno, levando o leitor sair do presente para o passado ou para o futuro sem perder o fio da meada e cada vez mais penetrar na trama. Sem o menor receio a autora é capaz de adiantar o final da história, porém provoca grande ansiedade ao leitor em querer saber como os acontecimentos ocorream. De cada capítulo seria possível ser levado às telas, embora toda a história esteja concatenada. Adorei!

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